segunda-feira, dezembro 19, 2005
O futuro do jornal está na internet
Publicado em O Estado de S. Paulo
19 de dezembro de 2005
Diretor de Conteúdo Digital do maior grupo de comunicação da Espanha, o jornalista Mario Tascón não se envergonha em dizer que vem abandonando gradualmente o hábito de ler jornais. E não é porque não precise estar informado.
Principal responsável pelo desenvolvimento dos sites dos veículos do Grupo Prisa – entre eles o El Pais, jornal de maior expressão internacional em língua espanhola –, Tascón está há tanto tempo envolvido com as novas mídias que dificilmente se dedica a acompanhar o noticiário pelas páginas dos diários impressos.
Afinal, assim como uma parcela cada vez mais significativa do público, ele passa a maior parte de seu dia conectado à web. A diferença é que, no seu caso, isso acontece pelo menos desde 1994, quando começou a trabalhar na criação de uma das primeiras redações online da Espanha, o site do jornal El Mundo.
Mas foi alguns anos antes dessa experiência, porém, que ele começou a vislumbrar que algo mudaria o jornalismo profundamente a partir da década de 90.
Em 1989, Tascón ajudou a fundar o Laboratório de Novos Meios da Faculdade de Jornalismo da Universidade de Navarra, na Espanha. “Naquele momento tudo ainda era muito confuso, mas na universidade nós já intuíamos que no futuro teríamos jornais circulando por redes de computadores”, lembra.
E, a partir daí, foram muitos os momentos em que pôde experimentar os elementos que estão nos primórdios do que hoje chama de uma realidade muito “clara”. Durante uma visita ao Brasil para uma palestra no Espaço Cultural CPFL, em Campinas, Tascón falou ao Linksobre o momento vivido hoje não só pelos jornais, mas pela mídia tradicional como um todo.
“Há um dado muito importante nesse cenário: a audiência de todos os meios convencionais está caindo. E, fundamentalmente, as pessoas estão indo para a internet”, diagnostica.
Além disso, Tascón também aponta a dificuldade dos meios convencionais em conseguir conquistar os leitores jovens. “Porque esses leitores estão na internet”, destaca. Porém ele não deixa de fazer uma ressalva: “Mas eu também não estou certo de que eles irão nos ler na web só porque estamos lá. Muitos empresários acham que basta estar na web para ter público. E não é assim. Você tem de conseguir que as pessoas tenham interesse pelo que você faz.”
Para o jornalista, é necessário que os comunicadores entendam as características desse novo meio se quiserem conquistar o público. E o momento, afirma, nunca foi tão propício. “Eu creio que há várias coisas que estão mais claras agora. A primeira é que esse é um meio em que os leitores são protagonistas. Muito mais do que pensávamos há dez anos. Os leitores não participam apenas de bate-papos. Eles querem intervir. Querem fabricar os meios. Eles decidem que coisas querem ver muito mais do que em qualquer outra mídia. Isso é fundamental”, destaca.
E essa interatividade, completa, encontra respaldo nas próprias características da internet. Afinal, a web não é apenas mais uma mídia, mas sim uma “multimídia” capaz de ter dentro de seus limites todos os outros meios de comunicação. Até o papel, como ele gosta de ressaltar: “Porque a impressora não deixa de ser um periférico da internet.”
Outra coisa que já está clara, Tascón continua, é que a internet nunca terá uma forma fixa. Trata-se de um meio moldável. E, para exemplificar o que está falando, o jornalista cita o robô T-1000, do filme O Exterminador do Futuro 2. Principal vilão do enredo, o andróide era capaz de modelar seu corpo de metal líquido de acordo com seus interesses, como um camaleão futurista. “Assim como aquele metal do filme, a internet terá sempre uma mesma ‘composição’. Mas suas partículas são inteligentes. Com um mesmo material, é possível fabricar coisas muito distintas”, completa.
Isso não significa, no entanto, que a maioria dos jornais já esteja pronta para essas transformações. “Os jornais tradicionais estão com graves problemas”, ele afirma.
Bastante atento a tudo o que acontece nos bastidores da indústria e, particularmente, dentro do Grupo Prisa, Tascón ressalta que hoje as contas ainda são favoráveis ao papel. Mas isso apenas quando o assunto é dinheiro, porque em audiência os números já são bastante similares. E não são raros os casos em que a audiência dos veículos digitais ultrapassa a dos tradicionais.
O jornalista usa como exemplo o caso do jornal Cinco Dias, veículo do Grupo Prisa e um dos principais diários sobre economia da Espanha. Em sua edição impressa, o jornal conta com uma tiragem diária de 32 mil exemplares. Já na internet, são 42 mil usuários únicos por dia. Isso tudo sem falar nos elevados custos da edição impressa, que requer papel, gráfica, estratégias de distribuição, etc.
Ainda assim, a receita publicitária do papel ainda é muito superior à do digital. “Mas isso é uma coisa que com certeza mudará. É uma questão de tempo”, diz Tascón, que afirma já contar com receitas expressivas tanto em publicidade quanto em assinaturas na edição digital do El Pais.
E o que falta o jornalismo online conquistar para que essa inversão aconteça? A resposta não é exata, mas um dos fatores que ainda coloca o jornal impresso alguns andares acima do digital é o grande prestígio com que conta o primeiro.
Tascón concorda que o leitor ainda se sente mais seguro com um exemplar impresso do The New York Times na mão, por exemplo, do que lendo um texto do mesmo jornal na web. Mas, mesmo assim, ele acredita que é possível ganhar essa credibilidade. “Estamos vivendo um momento em que temos que conquistar essa credibilidade. Assim como os jornais de papel ganharam a sua em seu tempo”, diz.
E alguns veículos já trabalham para melhorar esse status. Tascón cita alguns meios encontrados pelo El Pais.es. “Nós temos erratas digitais. Isso é uma coisa que até pouco tempo só a imprensa tradicional tinha. Na imprensa digital geralmente você simplesmente muda a informação e publica de novo, como se nada tivesse acontecido. Mas a nossa opção foi mostrar que esse erro existe”, conta. E a correção não fica apenas no site. A edição impressa também sai com as erratas publicadas na edição digital.
Além disso, o leitor que encontra erros nas matérias do site pode ele mesmo sugerir a correção. Por fim, Tascón acrescenta que o ombudsman do jornal não limita seus comentários à edição impressa e costuma apontar os problemas encontrados no jornal online. “Assim vamos fomentando a nossa credibilidade.”
Outro desafio que deverá ser enfrentado pelos jornais digitais é vencer a própria resistência dos jornalistas às novas mídias. "Para os nossos colegas essas são mudanças muito complicadas. O jornalismo é uma profissão 'tecnófoba'. Nas redações de papel há ainda muita máquina de escrever! Eu até tenho uma em casa, mas está em minha estante, como enfeite."
Lucrar com notícia online: eis o desafio
Embora não seja nenhuma novidade dizer que o número de leitores dos jornais impressos está em declínio, as soluções para “salvar” o negócio jornalístico ainda parecem incertas para boa parte desse mercado.
É verdade que muitos veículos têm apostado no desenvolvimento de websites e portais. A questão que se coloca, no entanto, é como lucrar com esse novo modelo.
Afinal, o faturamento com a internet na maioria dos jornais dificilmente ultrapassa os 3% da receita total dos veículos. Nesse cenário, não são poucos os que se questionam se não é hora de começar a cobrar pelo conteúdo veiculado nesses portais.
O problema, apontam os especialistas no setor, é que o internauta já se acostumou a obter notícias de graça na web. Nos EUA, por exemplo, dos 1.456 jornais diários existentes no país, apenas um de circulação nacional –o 'The Wall Street Journal' – cobra pelo acesso na web.
Além disso, como cobrar pelo noticário se o jornal concorrente continua sendo gratuito? Para o diretor de conteúdo do ‘El Pais.es’, Mario Tascón, o modelo de negócios do jornalismo online “deve ser diferente do adotado pelos diários tradicionais”.
Isso porque é possível ter em um site de jornal dezenas de tipos de serviços, que podem ir muito além do noticiário. “O jornal digital precisa ser um meio diferente do convencional. Isso porque a maioria dos leitores está atrás de coisas de internet, e não apenas notícias. São coisas como blogs, bate-papos, fóruns, etc.”, opina. Por isso, ele acrescenta, o modelo de negócio precisa contemplar essa diferença.
O ‘El Pais.es’, por exemplo, oferece serviços pagos e gratuitos. E, para quem paga, são muitos os atrativos: não há publicidade, o acesso aos arquivos do jornal é liberado, há canais de TV e emissoras de rádio com alta qualidade de som, etc. “Com esses serviços temos conseguido uma receita muito boa”, completa.
Os modelos de negócio mais parecidos com o do ‘El Pais.es’ são os do ‘The New York Times’ e do ‘Le Monde’. Mas Tascón faz questão de ressaltar, sem falsa modéstia, que o site do El Pais, a sua cria, "oferece coisas para seus assinantes que o ‘The New York Times’ não tem’”. “São serviços como televisão, rádios e o arquivo em PDF completo de toda a coleção do jornal”, enumera, orgulhoso, o pai do site.
19 de dezembro de 2005
Diretor de Conteúdo Digital do maior grupo de comunicação da Espanha, o jornalista Mario Tascón não se envergonha em dizer que vem abandonando gradualmente o hábito de ler jornais. E não é porque não precise estar informado.
Principal responsável pelo desenvolvimento dos sites dos veículos do Grupo Prisa – entre eles o El Pais, jornal de maior expressão internacional em língua espanhola –, Tascón está há tanto tempo envolvido com as novas mídias que dificilmente se dedica a acompanhar o noticiário pelas páginas dos diários impressos.
Afinal, assim como uma parcela cada vez mais significativa do público, ele passa a maior parte de seu dia conectado à web. A diferença é que, no seu caso, isso acontece pelo menos desde 1994, quando começou a trabalhar na criação de uma das primeiras redações online da Espanha, o site do jornal El Mundo.
Mas foi alguns anos antes dessa experiência, porém, que ele começou a vislumbrar que algo mudaria o jornalismo profundamente a partir da década de 90.
Em 1989, Tascón ajudou a fundar o Laboratório de Novos Meios da Faculdade de Jornalismo da Universidade de Navarra, na Espanha. “Naquele momento tudo ainda era muito confuso, mas na universidade nós já intuíamos que no futuro teríamos jornais circulando por redes de computadores”, lembra.
E, a partir daí, foram muitos os momentos em que pôde experimentar os elementos que estão nos primórdios do que hoje chama de uma realidade muito “clara”. Durante uma visita ao Brasil para uma palestra no Espaço Cultural CPFL, em Campinas, Tascón falou ao Linksobre o momento vivido hoje não só pelos jornais, mas pela mídia tradicional como um todo.
“Há um dado muito importante nesse cenário: a audiência de todos os meios convencionais está caindo. E, fundamentalmente, as pessoas estão indo para a internet”, diagnostica.
Além disso, Tascón também aponta a dificuldade dos meios convencionais em conseguir conquistar os leitores jovens. “Porque esses leitores estão na internet”, destaca. Porém ele não deixa de fazer uma ressalva: “Mas eu também não estou certo de que eles irão nos ler na web só porque estamos lá. Muitos empresários acham que basta estar na web para ter público. E não é assim. Você tem de conseguir que as pessoas tenham interesse pelo que você faz.”
Para o jornalista, é necessário que os comunicadores entendam as características desse novo meio se quiserem conquistar o público. E o momento, afirma, nunca foi tão propício. “Eu creio que há várias coisas que estão mais claras agora. A primeira é que esse é um meio em que os leitores são protagonistas. Muito mais do que pensávamos há dez anos. Os leitores não participam apenas de bate-papos. Eles querem intervir. Querem fabricar os meios. Eles decidem que coisas querem ver muito mais do que em qualquer outra mídia. Isso é fundamental”, destaca.
E essa interatividade, completa, encontra respaldo nas próprias características da internet. Afinal, a web não é apenas mais uma mídia, mas sim uma “multimídia” capaz de ter dentro de seus limites todos os outros meios de comunicação. Até o papel, como ele gosta de ressaltar: “Porque a impressora não deixa de ser um periférico da internet.”
Outra coisa que já está clara, Tascón continua, é que a internet nunca terá uma forma fixa. Trata-se de um meio moldável. E, para exemplificar o que está falando, o jornalista cita o robô T-1000, do filme O Exterminador do Futuro 2. Principal vilão do enredo, o andróide era capaz de modelar seu corpo de metal líquido de acordo com seus interesses, como um camaleão futurista. “Assim como aquele metal do filme, a internet terá sempre uma mesma ‘composição’. Mas suas partículas são inteligentes. Com um mesmo material, é possível fabricar coisas muito distintas”, completa.
Isso não significa, no entanto, que a maioria dos jornais já esteja pronta para essas transformações. “Os jornais tradicionais estão com graves problemas”, ele afirma.
Bastante atento a tudo o que acontece nos bastidores da indústria e, particularmente, dentro do Grupo Prisa, Tascón ressalta que hoje as contas ainda são favoráveis ao papel. Mas isso apenas quando o assunto é dinheiro, porque em audiência os números já são bastante similares. E não são raros os casos em que a audiência dos veículos digitais ultrapassa a dos tradicionais.
O jornalista usa como exemplo o caso do jornal Cinco Dias, veículo do Grupo Prisa e um dos principais diários sobre economia da Espanha. Em sua edição impressa, o jornal conta com uma tiragem diária de 32 mil exemplares. Já na internet, são 42 mil usuários únicos por dia. Isso tudo sem falar nos elevados custos da edição impressa, que requer papel, gráfica, estratégias de distribuição, etc.
Ainda assim, a receita publicitária do papel ainda é muito superior à do digital. “Mas isso é uma coisa que com certeza mudará. É uma questão de tempo”, diz Tascón, que afirma já contar com receitas expressivas tanto em publicidade quanto em assinaturas na edição digital do El Pais.
E o que falta o jornalismo online conquistar para que essa inversão aconteça? A resposta não é exata, mas um dos fatores que ainda coloca o jornal impresso alguns andares acima do digital é o grande prestígio com que conta o primeiro.
Tascón concorda que o leitor ainda se sente mais seguro com um exemplar impresso do The New York Times na mão, por exemplo, do que lendo um texto do mesmo jornal na web. Mas, mesmo assim, ele acredita que é possível ganhar essa credibilidade. “Estamos vivendo um momento em que temos que conquistar essa credibilidade. Assim como os jornais de papel ganharam a sua em seu tempo”, diz.
E alguns veículos já trabalham para melhorar esse status. Tascón cita alguns meios encontrados pelo El Pais.es. “Nós temos erratas digitais. Isso é uma coisa que até pouco tempo só a imprensa tradicional tinha. Na imprensa digital geralmente você simplesmente muda a informação e publica de novo, como se nada tivesse acontecido. Mas a nossa opção foi mostrar que esse erro existe”, conta. E a correção não fica apenas no site. A edição impressa também sai com as erratas publicadas na edição digital.
Além disso, o leitor que encontra erros nas matérias do site pode ele mesmo sugerir a correção. Por fim, Tascón acrescenta que o ombudsman do jornal não limita seus comentários à edição impressa e costuma apontar os problemas encontrados no jornal online. “Assim vamos fomentando a nossa credibilidade.”
Outro desafio que deverá ser enfrentado pelos jornais digitais é vencer a própria resistência dos jornalistas às novas mídias. "Para os nossos colegas essas são mudanças muito complicadas. O jornalismo é uma profissão 'tecnófoba'. Nas redações de papel há ainda muita máquina de escrever! Eu até tenho uma em casa, mas está em minha estante, como enfeite."
Lucrar com notícia online: eis o desafio
Embora não seja nenhuma novidade dizer que o número de leitores dos jornais impressos está em declínio, as soluções para “salvar” o negócio jornalístico ainda parecem incertas para boa parte desse mercado.
É verdade que muitos veículos têm apostado no desenvolvimento de websites e portais. A questão que se coloca, no entanto, é como lucrar com esse novo modelo.
Afinal, o faturamento com a internet na maioria dos jornais dificilmente ultrapassa os 3% da receita total dos veículos. Nesse cenário, não são poucos os que se questionam se não é hora de começar a cobrar pelo conteúdo veiculado nesses portais.
O problema, apontam os especialistas no setor, é que o internauta já se acostumou a obter notícias de graça na web. Nos EUA, por exemplo, dos 1.456 jornais diários existentes no país, apenas um de circulação nacional –o 'The Wall Street Journal' – cobra pelo acesso na web.
Além disso, como cobrar pelo noticário se o jornal concorrente continua sendo gratuito? Para o diretor de conteúdo do ‘El Pais.es’, Mario Tascón, o modelo de negócios do jornalismo online “deve ser diferente do adotado pelos diários tradicionais”.
Isso porque é possível ter em um site de jornal dezenas de tipos de serviços, que podem ir muito além do noticiário. “O jornal digital precisa ser um meio diferente do convencional. Isso porque a maioria dos leitores está atrás de coisas de internet, e não apenas notícias. São coisas como blogs, bate-papos, fóruns, etc.”, opina. Por isso, ele acrescenta, o modelo de negócio precisa contemplar essa diferença.
O ‘El Pais.es’, por exemplo, oferece serviços pagos e gratuitos. E, para quem paga, são muitos os atrativos: não há publicidade, o acesso aos arquivos do jornal é liberado, há canais de TV e emissoras de rádio com alta qualidade de som, etc. “Com esses serviços temos conseguido uma receita muito boa”, completa.
Os modelos de negócio mais parecidos com o do ‘El Pais.es’ são os do ‘The New York Times’ e do ‘Le Monde’. Mas Tascón faz questão de ressaltar, sem falsa modéstia, que o site do El Pais, a sua cria, "oferece coisas para seus assinantes que o ‘The New York Times’ não tem’”. “São serviços como televisão, rádios e o arquivo em PDF completo de toda a coleção do jornal”, enumera, orgulhoso, o pai do site.