quinta-feira, abril 20, 2006

 

Fofoca de “blogueiros” vira notícia no jornalismo virtual

Nelso Breve (Agência Carta Maior) , reproduzido no Blog do Noblat (veja comentário de Noblat ao final)

A mistificação dos blogs está envenenando o noticiário jornalístico com a propagação de comentários que são tratados como notícia verdadeira sem passarem pelos crivos de checagem das informações.
Na primeira metade do século XX, o rádio exerceu o papel preponderante na formação de opinião para a disputa do poder político ou geopolítico estratégico. Os discursos de Hitler, na Alemanha Nazista, as transmissões da BBC, a cobertura jornalística da Segunda Guerra Mundial são exemplos da relevância dessa mídia naquele período. A comunicação de massa passou a ser uma realidade.
Na segunda metade do século passado, foi a vez da televisão. Imagens transmitidas via satélite para dezenas de países transformaram o mundo em uma aldeia global. Encanto, indignação e revolta mobilizaram, em poucos dias ou poucos segundos, cidadãos de todas as partes em torno de acontecimentos como a conquista do espaço, as guerras e tragédias, o choque de ideologias e os embates políticos e comerciais.
Embora ainda seja um meio de comunicação relativamente “elitizado”, a internet já se consagrou como uma mídia de massa na Era Digital. Sua agilidade, interatividade, amplitude e flexibilidade encurtaram o tempo de propagação das informações noticiosas, ao mesmo tempo em que facilitaram o acesso a uma ampla diversidade de canais e redes de comunicação e formação de opinião.
Sem menosprezar a força do rádio e da televisão, ainda preponderantes na interlocução com as camadas mais pobres da sociedade, arrisco a afirmação de que o campo da internet será o diferencial da disputa eleitoral deste ano. Menos pelo alcance direto da audiência da maioria do eleitorado e mais pela extrema capacidade de pautar os outros meios de comunicação, espraiando com grande rapidez informações verdadeiras ou falsas para uma rede de cidadãos de classe média cada vez mais ávidos pela sensação de estarem bem informados.
Na Era do Jornalismo Em Tempo Real, os sítios de notícias da internet tornaram-se referência para um público expressivo e crescente. Inicialmente desprezada pelas estrelas do jornalismo brasileiro, a internet passou a ser a vitrine da moda, especialmente depois de ter pautado parte significativa da cobertura dos escândalos que abalaram as estruturas do governo petista. Os blogs, espécie de diário pessoal eletrônico, ganharam fama e prestígio antecipando notícias e direcionando o noticiário, que geralmente se orienta pelo comportamento de manada.
Tal como as colunas de notas e fofocas, os blogs de jornalistas têm demonstrado mais afinidade com versões do que com fatos, transformando pautas em notícias publicadas. Novidade no mundo da comunicação, esse tipo de canal noticioso ainda não consolidou um compromisso com o conjunto de regras éticas, morais e jurídicas que regulam o jornalismo. Portanto, está solto para espalhar muito joio no meio do trigo. Ganharam em poucos meses e até dias a credibilidade que outros meios levaram décadas para consolidar. Mas sem a mesma responsabilidade ética, moral e jurídica que traça os limites da liberdade de informação no Estado Democrático.
Nesta terça-feira (18), observamos dois exemplos distintos de como a mistificação dos blogs está envenenando o jornalismo. O primeiro caso envolve o “ex-blog” do prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, do PFL, assumidamente criado para fazer o embate político na internet. O segundo, o blog do jornalista Ricardo Noblat, hospedado no portal do Estadão, que abriu o terreno desse canal de comunicação no Brasil ao conciliar o prestígio do ex-diretor de redação de alguns dos principais jornais do país com a publicação de notícias quentes no auge da cobertura das CPIs.
Com boletins diários (Informação e Opinião de César Maia – IOCM) enviados para endereços eletrônicos de boa parte da imprensa brasileira, o blog de César Maia tem sido uma referência na propagação de boatos e insinuações com o objetivo de constranger o governo Lula. No fim da semana passada, informava que estava para ser detonado um novo escândalo envolvendo um ministro e sua casa. A expectativa em torno do noticiário das revistas semanais e jornais se frustrou. Os vestígios do terrorismo virtual só foram vistos na coluna de uma revista. Tratava-se de nova tentativa de denúncia não comprovada para enfraquecer o ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos.
Na investida desta terça-feira, o prefeito do Rio espalha, em tom de galhofa, números de contas bancárias do presidente do Sebrae, Paulo Okamotto, insinuando que a quebra do sigilo delas poderia revelar transferências de recursos para familiares do presidente Lula. A linguagem cifrada sugere ainda que Okamotto pode ter sido grampeado falando do assunto. Até aí, nada de mais. A disputa política é uma guerra. Em 1998, o sítio do PDT na internet reproduziu um artigo do jornalista Sebastião Nery falando de um filho não reconhecido do presidente Fernando Henrique Cardoso.
A diferença é que aquela informação não foi disseminada como verdade pela imprensa. No caso do boato de César Maia, o texto foi reproduzido integralmente no blog do jornalista Fernando Rodrigues, colunista do jornal Folha de S.Paulo. A chamada para a nota do blog foi destacada no alto da página principal do portal UOL, com o título “Maia divulga suposta conta de Okamotto”. Mesmo com os adjetivos cautelosos e os verbos no condicional recomendando a desconfiança na informação, o objetivo do prefeito do PFL foi alcançado. O jornalista e o veículo emprestaram sua credibilidade para espalhar um boato que só se justificaria como interesse público se devidamente comprovado. Divulgando o torpedo político como informação noticiosa, eles serviram, consciente ou inconscientemente, aos interesses de uma facção política.
No entanto, o portal do Estadão fez pior. Pegou um comentário de uma fonte não identificada publicado no blog do Noblat e transformou em verdade absoluta. No seu diário pessoal eletrônico, o jornalista conta que “um destacado senador da CPI dos Correios” teria sido procurado pelo lobista Marcos Valério, que teria lhe passado o seguinte recado: “Estou duro de dinheiro. Diga isso ao Okamotto”. A conversa, segundo Noblat, teria sido relatada a Okamoto e ao presidente Lula.
A nota do blog não dá nenhuma indicação de quem possa ser a fonte da informação. Tem o nítido objetivo de insinuar que Okamoto não seria só uma espécie de tesoureiro particular o presidente e sua família, teria assumido o papel de responsável pelo caixa-dois do PT depois que Delúbio Soares teve que sair de cena.
As suposições e insinuações de um “blogueiro”, mesmo sendo jornalista, fazem parte do território sem lei da internet. Todos dizem o que querem sem dar satisfação a ninguém. O problema maior está no fato do portal do Estadão ter alçado a especulação para a manchete principal da página. E o que é pior, tratando um comentário sem fonte como verdadeiro: “Valério pediu dinheiro a Okamotto”.
O editor do sítio nem se deu ao trabalho de desconfiar da informação, como é prática comum no jornalismo responsável. Ele poderia ter checado a lista de senadores da CPI para ver quem poderia ter feito uma inconfidência dessas. Destacado senador da CPI com intimidade suficiente com o presidente Lula a ponto de constrangê-lo? O mais próximo do perfil é o senador Delcídio Amaral (PT-MS). Será que alguém tão elogiado pela oposição e pela imprensa teria se prestado ao papel de levar recados de Marcos Valério a Paulo Okamotto? A história não bate, mas será reproduzida como verdade por ter sido chancelada pelo Estadão.
A internet é uma mídia democrática e os blogs são canais de comunicação interessantes para disseminar informações e opiniões. Mas os jornalistas precisam ter mais responsabilidade ao lidar com tais informações. Sem rigor jornalístico, podem se transformar em instrumentos da disputa política, minando a credibilidade dos veículos de comunicação e de seus jornalistas. Em uma disputa política acirrada como a que se avizinha é preciso redobrar a vigilância.

Comentário de Ricardo Noblat no seu blog, ao reproduzir a nota acima:
O autor critica o portal de O Estado de S. Paulo por ter destacado notícia publicada no blog no último dia 18 sob o título "Comportamento exemplar" (leia aqui).

O que parece ter incomodado o autor é o fato de que não menciono na nota a fonte (ou fontes) de informação que consultei para poder publicá-la.

Ora, quantas vezes O Estado de S. Paulo não publica "O Estado apurou que..."; quantas vezes a Folha de S. Paulo não escreve "A Folha apurou"; a VEJA faz o mesmo, a ÉPOCA, etc...

Quando anunciei aqui no ano passado que o então ministro José Dirceu deixaria o governo dali a poucos minutos, não revelei a fonte da informação - e ele deixou o governo.

Não revelei a fonte quando disse no final de 2004 que o então ministro José Viegas, da Defesa, estava na sala ao lado do gabinete de Lula decidido a pedir demissão. Ele estava, pediu e foi embora.

As mais valiosas informações só são obtidas pelos jornalistas mediante o compromisso de não revelar a identidade das fontes. É assim em toda parte e creio que o autor do artigo sabe disso.

Reafirmo a veracidade da nota que chocou.

 

Cobertura em blog ganha Pulitzer

Informação no "no mínimo weblog", por Pedro Doria dá conta do espaço como ferramenta e mídia jornalística que o blog vai ocupando:

Em meio à tragédia provocada pelo furacão Katrina, o jornal Times Picayune de Nova Orleans parou de circular porque as rotativas foram danificadas e não havia como distribuir. Mas como informação sobre a cidade era de todo urgente para seus moradores, os repórteres do Times transformaram o site do jornal em blog.
A cobertura valeu-lhes o primeiro Prêmio Pulitzer a um blog. É o maior prêmio para texto dos EUA. via Scripting news

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