quarta-feira, agosto 10, 2005
Depois dos blogueiros, os vlogueiros
Sarah Boxer
Do New York Times
Publicado no caderno Informática ETC, O Globo, 1 de agosto de 2005
Primeiro vieram os blogs, depois os fotologs. E agora é a vez do videoblog. Os videobloggers, também conhecidos como vlogueiros, postam regularmente vídeos na internet, criando shows primários para quem quiser assistir. Alguns vlogs são shows de culinária, outros são minidocumentários, outros ainda noticiários de mentira, e há os que quase chegam a ser filmes de arte.
A maioria apenas registra o cotidiano. O Das Vlog recentemente demonstrou as virtudes de urinar na pia do banheiro. O Village Girl postou um vídeo de sua filha de dois anos dançando com um amigo. Josh Leo gravou a si mesmo mexendo nas fotos de quando era bebé e em seus velhos projetos de arte. A Fat Girl de Ohio é um homem blogando sobre a gravidez de sua mulher. Como disse o vlog Reality Sandwich num video de uma mercearia: “ei, ser mundano é a nova atitude punk”.
Muitos vlogueiros aparentemente se conhecem
O mundo dos videoblogs ainda é pequeno o bastante para que todos os vlogueiros pareçam se conhecer e mesmo aparecer nos trabalhos dos colegas. Por exemplo, dois vlogueiros, Amanda Congdon e Richard Hall, se encontraram recentemente e seu encontro foi noticiado em pelo menos três sites diferentes.
Mesmo assim, os vlogs começam a se parecer um bocado com a televisão, pelo menos em doses homeopáticas. Alguns até partilham das preocupações da televisão, a maior delas a responsabilidade de ter sempre uma programação fresquinha, saindo do forno.
Por exemplo, o Rocketboom, um vlog engraçado e ambicioso feito pela srta. Congdon, parece o Weekend Update (o noticiário jocoso do “Saturday Night Live”). No vídeo, Congdon tem um olhar torto e usa óculos de nerd. Ela se senta a uma mesa em frente a um mapa, lendo notícias numa folha de papel. Ela as joga longe depois de ler. E tem repórteres de campo (que fazem coisas como dizer o final do mais recente livro de Harry Potter). Congdon recentemente pediu a seus espectadores que lhe mandem idéias para reportagnes.
Em outro vlog, o Carol & Steve Show, um casal mostra o tédio de seu dia-a-dia — fazer compras, malhar, discutir sobre “American Idol”. O vlog roubou seu formato e sua música-tema do mundo dos seriados de TV. O programa quer se vender, mas... quem compraria? Talvez uma claque de risadas ajudasse.
Um dos vlogs mais bem-sucedidos é o 05 Project, criado por um jovem de 18 anos em Keynes, Inglaterra. Seu nome é Ian Mills e ele prometeu postar um vídeo por dia o ano inteiro. Mills começa quase todos os seus vídeos chegando perto da câmera e se dirigindo ao espectador com uma doce formalidade: “Ok, então hoje...”
Em janeiro, ele mostrou o interior de seu armário para provar que não tem apenas uma muda de roupa, mas duas. Em fevereiro, filmou um canguru empalhado pedindo orientações a um urso de pelúcia sentado na frente de um forno microondas. Em março veio o vídeo de um incêndio, com este bilhete: “Puxa, estou tão feliz por ter ido à casa de meus avós hoje. Se não fosse, não teria visto isso”.
Aparentemente, os vlogueiros não conseguem chegar a um acordo sobre o que são, de fato, os vlogs. Alguns preferem manter as coisas assim. “Por que a pressa para definir isso agora?”, pergunta Michael Verdi, que escreveu o vlog Anarchy, um manifesto. “Seria como tentar escolher uma profissão e uma companheira para um recém-nascido”, compara Verdi.
Entretanto, o recém-nascido parece já ter escolhido sua companheira. Parabéns — é a televisão.
Do New York Times
Publicado no caderno Informática ETC, O Globo, 1 de agosto de 2005
Primeiro vieram os blogs, depois os fotologs. E agora é a vez do videoblog. Os videobloggers, também conhecidos como vlogueiros, postam regularmente vídeos na internet, criando shows primários para quem quiser assistir. Alguns vlogs são shows de culinária, outros são minidocumentários, outros ainda noticiários de mentira, e há os que quase chegam a ser filmes de arte.
A maioria apenas registra o cotidiano. O Das Vlog recentemente demonstrou as virtudes de urinar na pia do banheiro. O Village Girl postou um vídeo de sua filha de dois anos dançando com um amigo. Josh Leo gravou a si mesmo mexendo nas fotos de quando era bebé e em seus velhos projetos de arte. A Fat Girl de Ohio é um homem blogando sobre a gravidez de sua mulher. Como disse o vlog Reality Sandwich num video de uma mercearia: “ei, ser mundano é a nova atitude punk”.
Muitos vlogueiros aparentemente se conhecem
O mundo dos videoblogs ainda é pequeno o bastante para que todos os vlogueiros pareçam se conhecer e mesmo aparecer nos trabalhos dos colegas. Por exemplo, dois vlogueiros, Amanda Congdon e Richard Hall, se encontraram recentemente e seu encontro foi noticiado em pelo menos três sites diferentes.
Mesmo assim, os vlogs começam a se parecer um bocado com a televisão, pelo menos em doses homeopáticas. Alguns até partilham das preocupações da televisão, a maior delas a responsabilidade de ter sempre uma programação fresquinha, saindo do forno.
Por exemplo, o Rocketboom, um vlog engraçado e ambicioso feito pela srta. Congdon, parece o Weekend Update (o noticiário jocoso do “Saturday Night Live”). No vídeo, Congdon tem um olhar torto e usa óculos de nerd. Ela se senta a uma mesa em frente a um mapa, lendo notícias numa folha de papel. Ela as joga longe depois de ler. E tem repórteres de campo (que fazem coisas como dizer o final do mais recente livro de Harry Potter). Congdon recentemente pediu a seus espectadores que lhe mandem idéias para reportagnes.
Em outro vlog, o Carol & Steve Show, um casal mostra o tédio de seu dia-a-dia — fazer compras, malhar, discutir sobre “American Idol”. O vlog roubou seu formato e sua música-tema do mundo dos seriados de TV. O programa quer se vender, mas... quem compraria? Talvez uma claque de risadas ajudasse.
Um dos vlogs mais bem-sucedidos é o 05 Project, criado por um jovem de 18 anos em Keynes, Inglaterra. Seu nome é Ian Mills e ele prometeu postar um vídeo por dia o ano inteiro. Mills começa quase todos os seus vídeos chegando perto da câmera e se dirigindo ao espectador com uma doce formalidade: “Ok, então hoje...”
Em janeiro, ele mostrou o interior de seu armário para provar que não tem apenas uma muda de roupa, mas duas. Em fevereiro, filmou um canguru empalhado pedindo orientações a um urso de pelúcia sentado na frente de um forno microondas. Em março veio o vídeo de um incêndio, com este bilhete: “Puxa, estou tão feliz por ter ido à casa de meus avós hoje. Se não fosse, não teria visto isso”.
Aparentemente, os vlogueiros não conseguem chegar a um acordo sobre o que são, de fato, os vlogs. Alguns preferem manter as coisas assim. “Por que a pressa para definir isso agora?”, pergunta Michael Verdi, que escreveu o vlog Anarchy, um manifesto. “Seria como tentar escolher uma profissão e uma companheira para um recém-nascido”, compara Verdi.
Entretanto, o recém-nascido parece já ter escolhido sua companheira. Parabéns — é a televisão.
Reflexões sobre a TELESUR e o direiro à informação
Pietro Lora Alarcón
Correio da Cidadania, edição 460, de 6 a 13 de agosto de 2005
É cediço e indiscutível que, dentre os direitos fundamentais do ser humano, o direito à informação, que compreende a faculdade de procurar informações, assim como o de informar, de estar informado e de ser, obviamente, adequadamente informado, possui importância superlativa.
Contudo, também é uma verdade indiscutível que os meios de comunicação constituem um dos fatores reais de poder de maior incidência no cenário do conjunto de opiniões políticas que se geram na seara social. Tal conjunto é um elemento natural das contradições existentes entre os setores que lutam pelo poder do Estado.
Historicamente, e especialmente após a Revolução Francesa, construíram-se meios para atingir as mentes dos cidadãos com o propósito de reproduzir os interesses de classe da burguesia triunfante. Na época, consolidaram-se mecanismos permanentes de condução da opinião pública, o que desde então vem alicerçando campanhas para obter o poder e a construção de um modelo ideológico de controle social baseado na presteza para liquidar qualquer manifestação de real oposição ao regime político imposto.
Contemporaneamente, na América Latina e em geral em todo o planeta, como denuncia, dentre outros, Carlos Lozano Guillén em “Médios, sociedad y conflicto”, os meios de comunicação e de informação não escaparam dos processos de concentração de riqueza e monopolização crescente da economia.
Por sua vez, há séculos que as tentativas de criar meios de comunicação mais idôneos, com incidência na opinião pública e com possibilidades de apresentar uma versão diferente daquela impulsionada pelos grandes conglomerados econômicos, em muitas oportunidades com veracidade e suporte em uma realidade cada vez mais difícil para setores excluídos das decisões do Estado, esbarram em problemas de custos, dificuldades para a obtenção de informações, e até gravíssimos casos de repressão e censura.
Mas, voltando à atualidade e tratando, por exemplo, da televisão, não é possível negar o peso e o impacto imediato da sua incidência nos processos políticos. Com efeito, as expressões vídeo-política e homo-videns, cunhadas por Giovanni Sartori na obra Homo videns. Televisão e pós-pensamento, assinalam um dos aspectos mais interessantes do poder da televisão: o de gerar uma radical transformação da maneira de “ser político” e de “fazer política”. A questão, naturalmente, está atrelada à necessidade de que a televisão contribua à manutenção das liberdades públicas e, para isso, há que entender que o regime político democrático é um regime de opinião, baseado em um sentimento coletivo a respeito da realidade pública, o que interessa a todos em termos de notícia, porque incide no controle da coisa pública, nos valores, idéias e ideais dos seres humanos que conformam uma comunidade com aspirações de paz e progresso.
Acontece que, fruto de uma monopolização dos meios televisivos, na realidade hoje parece não existir um equilíbrio entre a necessidade de informação e a liberdade de possuir o veículo de comunicação, pois a informação depende do interesse do grupo econômico proprietário do meio, que passa a ser, por infeliz tabela, o dono da notícia. Assim, uma verdade pode virar mentira, ou se falam meias verdades. O tom de voz, as formas de apresentação, os recursos tecnológicos interferem cada vez mais na verdade e há que dizer, como James Petras, que a denominada “era da informação” não se desenvolve em um vazio politicamente neutro. Desconhecem-se, dessa maneira, os princípios básicos de respeito pela dignidade humana, da participação social e da reconstrução da verdade.
É claro que não é desejável a censura às informações. Pelo contrário, há que advogar pelo direito à informação plena. O que não significa que não existam limites, pois a idéia é informar sobre notícias, ou seja, aquilo que realmente seja útil para a comunidade e, além disso, a informação deve ser, obviamente, verdadeira. O que não é possível é reproduzir informações que se contrapõem à realidade fática, ou que fazem apologias à violência e à criminalização do ímpeto transformador das sociedades, semeando o medo, a intranqüilidade e conduzindo a população, através da desinformação ou informação não verdadeira, a um ostracismo político ou a uma visão irreal dos fenômenos.
É evidente que as pretensões de classe estão por trás da notícia, do estilo, da linguagem e da oportunidade em que e como a notícia se veicula. Mas o que não é possível tolerar é que a falsidade seja o norte, e que tal estilo e linguagem acompanhem uma distorção. Pelo contrário, a comunicação deve ter como finalidade que o ser humano consiga assumir uma identidade singular e em perspectiva histórica como sujeito - e não objeto - de um processo dialético, no interior de sociedades em permanente conflito em tempos de globalização.
Nesse panorama difícil, mas também de marcado otimismo, o governo da Venezuela iniciou as negociações para originar um projeto multiestatal de televisão, denominado TELESUR, que, distante dos grandes conglomerados e monopólios dos meios de comunicação massiva, se inspira na necessidade de permitir que os valores dos povos da América Latina sejam transmitidos, no resgate dos processos histórico-sociais da região, na pluralidade de enfoques. Tal fórmula televisiva foge daquelas tradicionalmente inspiradas nos modelos dos Estados Unidos, sob o signo da unilateralidade informativa e de seriados recheados de piadas sem sabor e risos forçados no fundo.
Em momentos em que na Colômbia, por exemplo, a circulação de meios como VOZ, o semanário da oposição em um Estado onde há apenas um diário de cobertura nacional, por sinal dirigido pela família do vice-presidente da República, e o controle dos meios de televisão é altamente concentrado nas esferas mais elevadas do poder, a chegada da TELESUR não é apenas desejável, senão fundamental para democracia.
Neste quarto de hora em que no Brasil se atravessam claros momentos de definições políticas, TELESUR é essencial para robustecer a opinião pública, de maneira que a veracidade possa impulsionar reformas profundas no sistema político e reformas econômicas de longo alcance, as que com urgência requer a sociedade brasileira.
Quando a integração da América Latina é uma verdade reconhecida como formulação principiológica pelos diplomas constitucionais, para forjar uma comunidade ancorada no desenvolvimento com soberania, TELESUR é uma imperiosa ferramenta em prol desse objetivo.
Se a era da informação não é neutra, então, a contextualização da informação, a história da notícia, o diagnóstico agudo e consciente sobre a necessidade de unificar posições entre nossos povos no âmbito da política externa fazem parte da tática para uma integração com soberania.
Contudo, nos Estados Unidos, a Câmara dos Deputados aprovou e atualmente se estuda no Senado, por iniciativa de Connie Mack, uma emenda que determina a transmissão de um canal de rádio e televisão dirigido à América Latina para se contrapor à TELESUR. Evidente que os membros do Congresso conhecem o poderio de um meio de comunicação que, como a televisão, atingindo multidões, contribuiria à unidade que tanto parece incomodar.
TELESUR somente vem para somar, e, nessa medida, bem-vinda, para a construção da paz e o respeito pelas liberdades públicas no Continente. Por isso, contra TELESUR somente podem estar os que condenam o mundo à guerra e a um destino diferente daquele de respeito pelo direito a procurar informações, de informar e de estar adequadamente informado.
Pietro Lora Alarcón, colombiano, é doutor em Direito do Estado pela PUC/SP.
Correio da Cidadania, edição 460, de 6 a 13 de agosto de 2005
É cediço e indiscutível que, dentre os direitos fundamentais do ser humano, o direito à informação, que compreende a faculdade de procurar informações, assim como o de informar, de estar informado e de ser, obviamente, adequadamente informado, possui importância superlativa.
Contudo, também é uma verdade indiscutível que os meios de comunicação constituem um dos fatores reais de poder de maior incidência no cenário do conjunto de opiniões políticas que se geram na seara social. Tal conjunto é um elemento natural das contradições existentes entre os setores que lutam pelo poder do Estado.
Historicamente, e especialmente após a Revolução Francesa, construíram-se meios para atingir as mentes dos cidadãos com o propósito de reproduzir os interesses de classe da burguesia triunfante. Na época, consolidaram-se mecanismos permanentes de condução da opinião pública, o que desde então vem alicerçando campanhas para obter o poder e a construção de um modelo ideológico de controle social baseado na presteza para liquidar qualquer manifestação de real oposição ao regime político imposto.
Contemporaneamente, na América Latina e em geral em todo o planeta, como denuncia, dentre outros, Carlos Lozano Guillén em “Médios, sociedad y conflicto”, os meios de comunicação e de informação não escaparam dos processos de concentração de riqueza e monopolização crescente da economia.
Por sua vez, há séculos que as tentativas de criar meios de comunicação mais idôneos, com incidência na opinião pública e com possibilidades de apresentar uma versão diferente daquela impulsionada pelos grandes conglomerados econômicos, em muitas oportunidades com veracidade e suporte em uma realidade cada vez mais difícil para setores excluídos das decisões do Estado, esbarram em problemas de custos, dificuldades para a obtenção de informações, e até gravíssimos casos de repressão e censura.
Mas, voltando à atualidade e tratando, por exemplo, da televisão, não é possível negar o peso e o impacto imediato da sua incidência nos processos políticos. Com efeito, as expressões vídeo-política e homo-videns, cunhadas por Giovanni Sartori na obra Homo videns. Televisão e pós-pensamento, assinalam um dos aspectos mais interessantes do poder da televisão: o de gerar uma radical transformação da maneira de “ser político” e de “fazer política”. A questão, naturalmente, está atrelada à necessidade de que a televisão contribua à manutenção das liberdades públicas e, para isso, há que entender que o regime político democrático é um regime de opinião, baseado em um sentimento coletivo a respeito da realidade pública, o que interessa a todos em termos de notícia, porque incide no controle da coisa pública, nos valores, idéias e ideais dos seres humanos que conformam uma comunidade com aspirações de paz e progresso.
Acontece que, fruto de uma monopolização dos meios televisivos, na realidade hoje parece não existir um equilíbrio entre a necessidade de informação e a liberdade de possuir o veículo de comunicação, pois a informação depende do interesse do grupo econômico proprietário do meio, que passa a ser, por infeliz tabela, o dono da notícia. Assim, uma verdade pode virar mentira, ou se falam meias verdades. O tom de voz, as formas de apresentação, os recursos tecnológicos interferem cada vez mais na verdade e há que dizer, como James Petras, que a denominada “era da informação” não se desenvolve em um vazio politicamente neutro. Desconhecem-se, dessa maneira, os princípios básicos de respeito pela dignidade humana, da participação social e da reconstrução da verdade.
É claro que não é desejável a censura às informações. Pelo contrário, há que advogar pelo direito à informação plena. O que não significa que não existam limites, pois a idéia é informar sobre notícias, ou seja, aquilo que realmente seja útil para a comunidade e, além disso, a informação deve ser, obviamente, verdadeira. O que não é possível é reproduzir informações que se contrapõem à realidade fática, ou que fazem apologias à violência e à criminalização do ímpeto transformador das sociedades, semeando o medo, a intranqüilidade e conduzindo a população, através da desinformação ou informação não verdadeira, a um ostracismo político ou a uma visão irreal dos fenômenos.
É evidente que as pretensões de classe estão por trás da notícia, do estilo, da linguagem e da oportunidade em que e como a notícia se veicula. Mas o que não é possível tolerar é que a falsidade seja o norte, e que tal estilo e linguagem acompanhem uma distorção. Pelo contrário, a comunicação deve ter como finalidade que o ser humano consiga assumir uma identidade singular e em perspectiva histórica como sujeito - e não objeto - de um processo dialético, no interior de sociedades em permanente conflito em tempos de globalização.
Nesse panorama difícil, mas também de marcado otimismo, o governo da Venezuela iniciou as negociações para originar um projeto multiestatal de televisão, denominado TELESUR, que, distante dos grandes conglomerados e monopólios dos meios de comunicação massiva, se inspira na necessidade de permitir que os valores dos povos da América Latina sejam transmitidos, no resgate dos processos histórico-sociais da região, na pluralidade de enfoques. Tal fórmula televisiva foge daquelas tradicionalmente inspiradas nos modelos dos Estados Unidos, sob o signo da unilateralidade informativa e de seriados recheados de piadas sem sabor e risos forçados no fundo.
Em momentos em que na Colômbia, por exemplo, a circulação de meios como VOZ, o semanário da oposição em um Estado onde há apenas um diário de cobertura nacional, por sinal dirigido pela família do vice-presidente da República, e o controle dos meios de televisão é altamente concentrado nas esferas mais elevadas do poder, a chegada da TELESUR não é apenas desejável, senão fundamental para democracia.
Neste quarto de hora em que no Brasil se atravessam claros momentos de definições políticas, TELESUR é essencial para robustecer a opinião pública, de maneira que a veracidade possa impulsionar reformas profundas no sistema político e reformas econômicas de longo alcance, as que com urgência requer a sociedade brasileira.
Quando a integração da América Latina é uma verdade reconhecida como formulação principiológica pelos diplomas constitucionais, para forjar uma comunidade ancorada no desenvolvimento com soberania, TELESUR é uma imperiosa ferramenta em prol desse objetivo.
Se a era da informação não é neutra, então, a contextualização da informação, a história da notícia, o diagnóstico agudo e consciente sobre a necessidade de unificar posições entre nossos povos no âmbito da política externa fazem parte da tática para uma integração com soberania.
Contudo, nos Estados Unidos, a Câmara dos Deputados aprovou e atualmente se estuda no Senado, por iniciativa de Connie Mack, uma emenda que determina a transmissão de um canal de rádio e televisão dirigido à América Latina para se contrapor à TELESUR. Evidente que os membros do Congresso conhecem o poderio de um meio de comunicação que, como a televisão, atingindo multidões, contribuiria à unidade que tanto parece incomodar.
TELESUR somente vem para somar, e, nessa medida, bem-vinda, para a construção da paz e o respeito pelas liberdades públicas no Continente. Por isso, contra TELESUR somente podem estar os que condenam o mundo à guerra e a um destino diferente daquele de respeito pelo direito a procurar informações, de informar e de estar adequadamente informado.
Pietro Lora Alarcón, colombiano, é doutor em Direito do Estado pela PUC/SP.
Entrevista do Millôr Fernandes
Millôr Fernandes
O senhor das palavras
Por Luiz Costa Pereira Jr. e Marco Antonio Araujo
Revista Língua, ano I, n.º 1, 2005
Millôr foi uma vítima da ortografia. Nasceu em 16 de agosto de 1923, no Rio, como Milton Viola Fernandes. Registrada depois (seu aniversário oficial é em 27 de maio de 1924), a certidão de nascimento foi grafada de tal jeito que o t de Milton parece um l seguido por acento e o n um r. Assim aos 17 anos, Milton soube que seu nome era Millôr.
Talvez por revanche, construiu uma carreira de rupturas com o português padrão, com vôos de imaginação lingüística que, a rigor, formam gramática própria. “Não passo um dia sem escrever.” Fez de tudo: roteirista, ilustrador, dramaturgo, compositor, ator. Não bastasse, é tradutor de Shakespeare, Pirandello, Racine e outros clássicos em cujos idiomas foi autodidata. Seu raciocínio é tão ágil que as palavras se atropelam na voz gutural e o ar maroto dá um a mais de jovialidade à silhueta magra.
Na cobertura em Ipanema, sentado, olha uma jogada do brasileiro Kaká, pela TV. “O futebol é o raro reduto da glória com mérito.” Como se uma coisa chamasse outra, fustiga o escritor Paulo Coelho: “Vende muito, mas é merecidamente desprezado porque faz uma merda de literatura.” Ligamos rápido o gravador.
Língua — Fazer humor é levar a sério as palavras ou brincar com elas?
Millõr. Fernandes — Humor, você tem ou não tem. Pode ser do tipo mais profundo, mais popular, mas tem de ter. Você vai fazendo e, sem querer, a coisa sai engraçada. Dá para perceber quando a construção é forçada. Tenho uma capacidade muito natural de perceber bobagem e destruir a coisa. É o que hoje o pessoal da informática chama de “processar”. Você coleta um monte de dados e processa rapidamente, antecipando o movimento da outra pessoa. Às vezes, para dar certo, bastam mudanças simples. Ano passado, o pessoal da televisão me pediu uma saudação para o dia dos namorados. Ia negar o pedido quando me veio o estalo: fiz dois corações bem normais e pus em cima o texto “Dia dos namorados —Eu quero que eles se fodam”. A frase grosseiramente ofensiva tornou-se logo carinhosa.
Há quem diga que trocadilhos, como os que o tomaram famoso, são uma forma infantil de humor.
Na verdade, a frase clássica é “a forma mais baixa de humor”. Quem diz isso não sabe o que diz. Um Shakespeare não existe sem trocadilho. Nem Cristo, e é só lembrar o reino que veio depois do “Pedro, tu és pedra”. O cristianismo está todo fundado num trocadilho. O trocadilho foi a verdadeira graça de Deus.
Como você começou a fazer tradução?
Um tio meu, Antonio Viola, era chefe da gráfica de O Jornal, e me pegou um desenho, levou lá e depois me veio com dinheiro pago por ele. Em 1938, comecei na revista O Cruzeiro. Na época, os quadros eram pobres e todo mundo fazia de tudo. Fui contínuo, armador, ilustrador. E descia até a oficina pra mexer na linotipo [antiga máquina de composição grafica]. Uma das minhas tarefas era dar conta das tiras em quadrinhos estrangeiras. Levava o dicionário e traduzia as legendas, botava as letras nos balões e isso era uma das dez coisas que eu fazia. Para traduzir um negócio qualquer, ia de 10 a 20 vezes ao dicionário. Aprendi a fazer tradução porque me encomendaram e foi assim desde então.
Como assim?
Sempre fui movido por forças exógenas, exteriores. Por minha iniciativa, fiz só uma exposição de desenhos em 1957, no MAM, e uma peça de teatro em 1963, Flávia, Cabeça, Tronco e Membros. Todo o resto que fiz foi a pedido. O primeiro livro que traduzi foi Dragon Seed, de Pearl S. Buck, com o título A Estirpe do Dragão, em 1942. Nunca me senti tão roubado na vida, pois você traduz 300 páginas por uma mixaria. O livro era assinado por outros. Eu era um “laranja”. No teatro, era diferente, a remuneração, tudo era vinculado à bilheteria. Assim, uma peça fracassa, a segunda vai melhor e de repente a terceira compensa todo o esforço.
Como foi seu aprendizado da língua? A escola ajudou ou atrapalhou?
Tive a grande sorte de trabalhar na imprensa com menos de 14 anos, em 1938. Havia deixado de estudar aos 10 [por causa da morte da mãe; o pai perdera quando tinha 1 ano de idade]. No primário, aprendi a gostar de estudar e a ler por causa de uma professora, Isabel Mendes. Nunca esqueci o dia em que ela me ensinou a ver as horas. Eu saía pelos corredores de olho nos relógios. Fiquei espantado em ver que um marcava 8 horas e o seguinte, 8h05. Foi quando percebi aquilo de mais banal na vida, a consciência de que o tempo está sempre à sua frente, faça você o que fizer. Passei dois ou três anos sem estudar. Quando eu ganhei o primeiro dinheiro, fui estudar no Liceu de Artes e Ofícios — curso de cinco a seis anos, que não cheguei a concluir porque já era famoso à época — com 20 anos já ganhava o maior salário da imprensa. Portanto, devo ter saído do colégio aos 18 anos. Portanto, tudo o que aprendi foi no primário. Depois de um primário sólido, você pode ser um autodidata. Foi a professora Isabel Mendes quem me ensinou a coisa mais importante em didática — a gostar de estudar.
Gostava de ler nessa época?
Não tinha livros em casa. Havia umas novelas da editora Vecchi, folhetins pra cozinheiras e domésticas. Eles mandavam dois ou três exemplares em cada endereço e, se a pessoa gostasse, mandavam cobrar as edições seguintes. Eram títulos muito melodramáticos, como Córsega em Chamas. Fausta Vencida, nuncio Romanetti, ou policiais. Quando comecei a estudar na cidade, passei a ir com mais freqüência à Biblioteca Nacional. Ficava muito irritado quando havia feriado e a biblioteca fechava, pois ficava sem ler.
Com que língua você mais gosta de trabalhar?
Não aprendi línguas até hoje (risos). Gosto de trabalhar com o português, embora inglês seja a que eu mais leio. Nunca tive temor de nada. Deve-se julgar as obras pelo que elas têm de qualidade, não por serem de fulano ou beltrano. Shakesleare fez muita besteira mas tem três ou quatro obras perfeitas, e Macbeth é uma delas. Eu traduzi Shakespeare por ser do caralho, mas se me dessem algo ruim para traduzir, dizendo que era um pensamento dele ou de Confúcio, perguntaria se era mesmo dele ou de um completo idiota.
Nunca sentiu dificuldade na tradução por ter sido autodidata em línguas?
Ao traduzir, é preciso ter todo rigor e nenhum respeito pelo original. Você pega um Racine, que é em dodecassílabos, mas não entra nessa. No momento cm que você se sujeita à rima, está perdido, porque a rima vai conduzir os seus pensamentos. Mas traduzir é sempre divertido. Uma vez fiz a tradução da peça The Sunshine Boys, do Neil Simon, a que dei o título de Os Palhaços de Ouro. Era sobre uma dupla de comediantes à antiga. Eles se odeiam depois de trabalhar juntos por décadas, mas são obrigados a conviver nos palcos. Numa cena, o mais velho dos dois bate à porta, o outro diz: ‘Enter!” O ator fica imóvel. “Enter! Enter!” E nada. O outro vai lá e pergunta por que ele não entrou. “Estou esperando você dizer coming!, como sempre se fez.” Ora, enter e coming são expressões equivalentes em inglês, mas com aplicações diferentes. Por aqui, “entrar” já dá conta do recado. Para dar idéia do contraste que o original pedia, foi preciso dizer em bom português “penetra!”.
Na sua opinião, quais as vantagens o português possui em comparação a outras línguas que você conhece?
A principal vantagem é a de ser a minha língua. Ninguém fala duas línguas. Essa idéia de um espião que fala múltiplas línguas não passa de mentira. Vai lá no meio do jogo dizer “salamê mingüê, um sorvete colorê...” ou “velho guerreiro”. Os modismos da língua, as coisas ocasionais, não são acessíveis a quem não é nativo. Toda pessoa tem habilidade só no seu idioma. Você pode aprender uma, dez, sei lá quantas expressões de outra língua, mas ainda existirão outras mil — como é que se vai fazer? A língua portuguesa tem suas particularidades. Como outras também. Aprendi desde cedo a ter o cuidado de não rimar ao escrever uma frase. Sobretudo em “-ão”.
Quais as normas mais loucas ou mais despropositadas da língua portuguesa?
Toda pesquisa de linguagem é perigosa pois tem o caráter de induzir o sentido. Não tenho carinho especial por gramáticos. Na minha vida sempre fui violento [no ataque às regras do idioma] , porque a língua é a falada, a outra é apenas uma forma de você registrar a fala. Se todo mundo erra na crase é a regra da crase que está errada, como aliás está. Se você vai a Portugal, pode até encontrar uma reverberação que indica a crase. Não aqui. Aqui no Brasil a crase não existe.
Mas a fala brasileira é mutante e díspare, cada região tem sua peculiaridade. Como romper regras da língua sem cair no vale-tudo?
Se não houver norma não há como transgredir. A língua tem variantes, mas temos de ensinar a escrever o padrão. Quem transgride tem nome ou peito que o faça e arque com as conseqüências. Mas insisto que a escrita é apenas o registro da língua falada. De Machado de Assis pra cá, tudo mudou. A língua alemã fez reforma ortográfica há 50 anos, correta. Aqui, na minha geração, já foram três reformas do gênero, uma mais maluca que a outra. Botaram acento em “boemia”, escreveram “xeque” quando toda língua busca lembrar o árabe shaik, insistiram que o certo é “veado” quando o Brasil inteiro pronuncia “viado”. Chamar viado de “veado” é coisa de viado. Quando chegaram a tais conclusões? Essas coisas são idiotas e cabe a você aceitar ou não. Veja o caso da crase. A crase, na prática, não existe no português do Brasil.
Já vi tábuas de mármore com crase errada. Se todo mundo erra, a crase é quem está errada. Se vamos atribuir crase ao masculino “dar àquele”, por que não fazer o mesmo com “dar àlguém”? Não podemos.
Você já escreveu certa vez um texto em “lusitol” e o traduziu para o “brasilol”, mostrando o abismo de linguagem que existe entre Portugal e o Brasil. O nosso país caminha para a constituição de uma língua própria?
É muito difícil fazer esse tipo de previsão. As influências hoje em dia são tão interativas, tão permutantes, que não sei se o Brasil vai formar uma língua tão diferente de Portugal, porque o inglês também está batendo à porta deles. O mundo inteiro hoje busca aproximação por meio do inglês. É um idioma que teve muita sorte — quando o império britânico começou a decair, surgiu o americano. O inglês tem inúmeras línguas, mas continua inglês. Assim também, há uma língua portuguesa com variantes, dialetos e idioletos.
Mas as diferenças não pesam?
Nem sempre é fácil entender um português e há filmes portugueses que só conseguimos ver com legendas.
O que acontece é que temos dificuldade de entender o português de Portugal mais pela eufonia e pela prosódia que pelos vocábulos em si mesmos. Não sei se os portugueses passam pelo mesmo problema, mas o fato é que, até os anos 30, todo ator brasileiro imitava sotaque português para ser respeitado e, hoje, nossa influência em Portugal é total. A telenovela entra lá, e não adianta o intelectual português ficar contra, porque o povo acha engraçado o jeito de a gente falar, e termina copiando. Já usam expressões como “estou a dar a volta por cima, o pá!”, lá do jeito deles, com sotaque, mas usam.
O estrangeirismo empobrece a língua portuguesa?
De maneira nenhuma. Antigamente, tivemos palavras como porta-seios, uma coisa muito feia, que felizmente foi substituída pelo galicismo “sutiã”. Toda língua é invadida e, como mulher, fecundada. De vez em quando a nossa leva na bunda, mas nada que, lavada, não fique novinha.
Houve tempo em que o galicismo era uma aberração. Não se podia escrever “amante”, mas “amásia”. Era assustador. Uma vez, era menino, escrevi um conto em que um cara sai pela rua gritando: “Assassinato! Assassinato!” Quiseram que eu colocasse, por respeito à língua, “assassínio”, pra evitar o “galicismo”... Quem sai à rua gritando “Assassínio!” é bicha.
Os excessos, como sale, delivery ou 50% off não incomodam a você?
O estrangeirismo não me incomoda. É evidente que essa coisa pouco natural de importar outra língua é muito Barra da Tijuca [bairro da elite carioca], é esse negócio de Estátua de Liberdade de gesso colocada na frente da porta. Pode haver a penetração que quiser, mas é preciso fazer as coisas que nos são naturais. O cara que use delivery com as nega dele. Eu, por exemplo, escrevo aquilo que chega até mim, naturalmente. Devo ter sido a primeira pessoa a escrever whisky na forma “uísque”. E ficou. Uso “saite” no lugar de site, que já está consagrada. Os portugueses usam “sítio” e é legítimo. A língua é assim, arbitrária. Se dependesse só do meu arbítrio, aí eu faria uma moção pros órgãos oficiais. Não há porquê do Banco do Brasil usar home delivery quando poderia simplesmente fazer “entrega em domicílio”. Os órgãos oficiais brasileiros não podem fazer esse tipo de coisa.
Qual o caminho para escrever bem?
Escrever bem é expressar-se. Usar sujeito, verbo, predicado e, a partir daí, fazer todas as variações. Não deixo margem a dúvida quando digo “um homem de terno branco atravessava a rua num dia de domingo”. Mas jamais escreveria a frase pomposa do Machado de Assis que está lá na Academia [Brasileira de Letras]. Nem improvisada foi, pois estava num poema dele. “A glória que fica eleva, honra e consola.” As palavras não têm a menor hierarquia. Quando se diz “a glória que fica” já acabou a frase, já se sabe que é com a ABL, ela está se referindo às glórias literárias. “Eleva” e “honra” são dispensáveis e nem dá para saber o que uma glória consola: da tremedeira das mãos, de doença? Veja, no entanto, um escritor como Camões. Ao se dirigir ao rei Dom Sebastião, o poeta afirma que “a disciplina militar prestante / não se aprende, senhor, na fantasia, / sonhando, imaginando ou estudando, / senão vendo, tratando e pelejando”. Repare que ele não diz “tratando, pelejando e vendo” — pois seria o caso de um sujeito que sai na porrada sem pensar. Quem não sabe escrever não cria esse tipo de hierarquia, pouco importa. Quando uma hierarquia não é tão precisa entre as palavras, o sujeito quebra a cara. Nenhuma palavra é gratuita. Um texto, por exemplo, não pode “condenar” algo quando na verdade seu autor pretendia dizer “evitar”.
É possível escrever bem sem ler muito?
Não.
Mas é possível desenvolver um instinto natural para escrever bem?
O instinto pode levar a escrever, mas uma pessoa simplória tende a ter um discurso simplório. Quando escrever, fará um texto simplório. Quanto mais formas de escrita você conhecer, mais habilidade terá em sua própria escrita. Sei que há quem nos desminta. Outro dia, peguei dois volumes de Rubem Braga. Um feito quando ele tinha 25 anos e outro aos 40, já embaixador no Chile. Ambos são de uma precisão, mesmo em 20 linhas. Eu, que não gosto de enfeiar com sinais gráficos o que escrevo, por vezes vejo que as coisas que faço vão ficando complexas e sou obrigado a usar travessão e intercalações para deixar tudo mais claro. Rubem Braga não faz nada disso. É de uma densidade de quem não quer nada.
Quem se expressa bem, falando, no Brasil?
Ninguém que supere o Carlos Lacerda [jornalista e político da antiga UDN, 1914-1977]. Hoje, falam que um Pedro Simon é um grande orador e eu me escandalizo. A retórica dele é feita de gritos, de berros. Lacerda, não, trazia tudo alinhavado, com uma capacidade de argumentação impressionante. Nem locutores de TV, que lêem tudo mastigado no teleprompter [monitor de caracteres], sabem falar. Você pega o [apresentador do Jornal Nacional] William Bonner, fala “errado” o tempo todo, porque enfatiza as palavras indevidamente ou enfatiza demais a frase. De todos, o [jornalista] Franklin Martins é o melhor, diz tudo de maneira correta. Veja o Carlos Nascimento. A televisão deixa o cara dar palpites, que são no mínimo conservadores, quando não reacionários — e ele nem percebe.
Dos nossos ex-presidentes e do atual — Sarney, FHC e Lula
— quem se expressa melhor em português?
Que parada! Fernando Henrique diz besteiras o tempo todo. Como um cara inteligente diz que o povo deveria fazer check-up e que tem o pé na cozinha? Teria o pé na África e olhe lá. Ao dizer “pé na cozinha”, é pejorativo. Fernando Henrique é empolado demais da conta. Já o Lula diz bobagens do tipo ‘‘as mulheres são desaforadas’’. Diz também sem saber o que está dizendo. Pensa que está elogiando, sendo engraçadinho, mas não tem noção das palavras. Ocorre que ele tem pronúncia até melhor que o FHC, mesmo engolindo palavras. Já Sarney é o Lula em barroco. Escreve um romance débil mental e passa a ser considerado uma revolução nas letras nacionais.
É atribuído a você um texto que circula na interneI, uma apologia ao palavrão. Terem acreditado que se tratava de um texto de sua autoria o ofendeu em que medida?
É a pior coisa pegarem um texto que não é seu, que você escreveria melhor, e atribuir a você. Já escrevi muito sobre palavrão, e não para fazer gracinha. Em 1978, quando fiz a tradução de A Volta ao Lar, do Harold Pinter, O Globo veio em cima, dizendo que eu inseri palavrões para torná-la picante, comercial ou subversiva. Escrevi um artigo enorme contestando. Tudo que penso sobre o assunto está lá. Não preciso fazer gracinha com a questão. Mas internet é terra de ninguém. Não fiquei ofendido, nem fui lá reclamar. lsso me mata de tédio.
O senhor das palavras
Por Luiz Costa Pereira Jr. e Marco Antonio Araujo
Revista Língua, ano I, n.º 1, 2005
Millôr foi uma vítima da ortografia. Nasceu em 16 de agosto de 1923, no Rio, como Milton Viola Fernandes. Registrada depois (seu aniversário oficial é em 27 de maio de 1924), a certidão de nascimento foi grafada de tal jeito que o t de Milton parece um l seguido por acento e o n um r. Assim aos 17 anos, Milton soube que seu nome era Millôr.
Talvez por revanche, construiu uma carreira de rupturas com o português padrão, com vôos de imaginação lingüística que, a rigor, formam gramática própria. “Não passo um dia sem escrever.” Fez de tudo: roteirista, ilustrador, dramaturgo, compositor, ator. Não bastasse, é tradutor de Shakespeare, Pirandello, Racine e outros clássicos em cujos idiomas foi autodidata. Seu raciocínio é tão ágil que as palavras se atropelam na voz gutural e o ar maroto dá um a mais de jovialidade à silhueta magra.
Na cobertura em Ipanema, sentado, olha uma jogada do brasileiro Kaká, pela TV. “O futebol é o raro reduto da glória com mérito.” Como se uma coisa chamasse outra, fustiga o escritor Paulo Coelho: “Vende muito, mas é merecidamente desprezado porque faz uma merda de literatura.” Ligamos rápido o gravador.
Língua — Fazer humor é levar a sério as palavras ou brincar com elas?
Millõr. Fernandes — Humor, você tem ou não tem. Pode ser do tipo mais profundo, mais popular, mas tem de ter. Você vai fazendo e, sem querer, a coisa sai engraçada. Dá para perceber quando a construção é forçada. Tenho uma capacidade muito natural de perceber bobagem e destruir a coisa. É o que hoje o pessoal da informática chama de “processar”. Você coleta um monte de dados e processa rapidamente, antecipando o movimento da outra pessoa. Às vezes, para dar certo, bastam mudanças simples. Ano passado, o pessoal da televisão me pediu uma saudação para o dia dos namorados. Ia negar o pedido quando me veio o estalo: fiz dois corações bem normais e pus em cima o texto “Dia dos namorados —Eu quero que eles se fodam”. A frase grosseiramente ofensiva tornou-se logo carinhosa.
Há quem diga que trocadilhos, como os que o tomaram famoso, são uma forma infantil de humor.
Na verdade, a frase clássica é “a forma mais baixa de humor”. Quem diz isso não sabe o que diz. Um Shakespeare não existe sem trocadilho. Nem Cristo, e é só lembrar o reino que veio depois do “Pedro, tu és pedra”. O cristianismo está todo fundado num trocadilho. O trocadilho foi a verdadeira graça de Deus.
Como você começou a fazer tradução?
Um tio meu, Antonio Viola, era chefe da gráfica de O Jornal, e me pegou um desenho, levou lá e depois me veio com dinheiro pago por ele. Em 1938, comecei na revista O Cruzeiro. Na época, os quadros eram pobres e todo mundo fazia de tudo. Fui contínuo, armador, ilustrador. E descia até a oficina pra mexer na linotipo [antiga máquina de composição grafica]. Uma das minhas tarefas era dar conta das tiras em quadrinhos estrangeiras. Levava o dicionário e traduzia as legendas, botava as letras nos balões e isso era uma das dez coisas que eu fazia. Para traduzir um negócio qualquer, ia de 10 a 20 vezes ao dicionário. Aprendi a fazer tradução porque me encomendaram e foi assim desde então.
Como assim?
Sempre fui movido por forças exógenas, exteriores. Por minha iniciativa, fiz só uma exposição de desenhos em 1957, no MAM, e uma peça de teatro em 1963, Flávia, Cabeça, Tronco e Membros. Todo o resto que fiz foi a pedido. O primeiro livro que traduzi foi Dragon Seed, de Pearl S. Buck, com o título A Estirpe do Dragão, em 1942. Nunca me senti tão roubado na vida, pois você traduz 300 páginas por uma mixaria. O livro era assinado por outros. Eu era um “laranja”. No teatro, era diferente, a remuneração, tudo era vinculado à bilheteria. Assim, uma peça fracassa, a segunda vai melhor e de repente a terceira compensa todo o esforço.
Como foi seu aprendizado da língua? A escola ajudou ou atrapalhou?
Tive a grande sorte de trabalhar na imprensa com menos de 14 anos, em 1938. Havia deixado de estudar aos 10 [por causa da morte da mãe; o pai perdera quando tinha 1 ano de idade]. No primário, aprendi a gostar de estudar e a ler por causa de uma professora, Isabel Mendes. Nunca esqueci o dia em que ela me ensinou a ver as horas. Eu saía pelos corredores de olho nos relógios. Fiquei espantado em ver que um marcava 8 horas e o seguinte, 8h05. Foi quando percebi aquilo de mais banal na vida, a consciência de que o tempo está sempre à sua frente, faça você o que fizer. Passei dois ou três anos sem estudar. Quando eu ganhei o primeiro dinheiro, fui estudar no Liceu de Artes e Ofícios — curso de cinco a seis anos, que não cheguei a concluir porque já era famoso à época — com 20 anos já ganhava o maior salário da imprensa. Portanto, devo ter saído do colégio aos 18 anos. Portanto, tudo o que aprendi foi no primário. Depois de um primário sólido, você pode ser um autodidata. Foi a professora Isabel Mendes quem me ensinou a coisa mais importante em didática — a gostar de estudar.
Gostava de ler nessa época?
Não tinha livros em casa. Havia umas novelas da editora Vecchi, folhetins pra cozinheiras e domésticas. Eles mandavam dois ou três exemplares em cada endereço e, se a pessoa gostasse, mandavam cobrar as edições seguintes. Eram títulos muito melodramáticos, como Córsega em Chamas. Fausta Vencida, nuncio Romanetti, ou policiais. Quando comecei a estudar na cidade, passei a ir com mais freqüência à Biblioteca Nacional. Ficava muito irritado quando havia feriado e a biblioteca fechava, pois ficava sem ler.
Com que língua você mais gosta de trabalhar?
Não aprendi línguas até hoje (risos). Gosto de trabalhar com o português, embora inglês seja a que eu mais leio. Nunca tive temor de nada. Deve-se julgar as obras pelo que elas têm de qualidade, não por serem de fulano ou beltrano. Shakesleare fez muita besteira mas tem três ou quatro obras perfeitas, e Macbeth é uma delas. Eu traduzi Shakespeare por ser do caralho, mas se me dessem algo ruim para traduzir, dizendo que era um pensamento dele ou de Confúcio, perguntaria se era mesmo dele ou de um completo idiota.
Nunca sentiu dificuldade na tradução por ter sido autodidata em línguas?
Ao traduzir, é preciso ter todo rigor e nenhum respeito pelo original. Você pega um Racine, que é em dodecassílabos, mas não entra nessa. No momento cm que você se sujeita à rima, está perdido, porque a rima vai conduzir os seus pensamentos. Mas traduzir é sempre divertido. Uma vez fiz a tradução da peça The Sunshine Boys, do Neil Simon, a que dei o título de Os Palhaços de Ouro. Era sobre uma dupla de comediantes à antiga. Eles se odeiam depois de trabalhar juntos por décadas, mas são obrigados a conviver nos palcos. Numa cena, o mais velho dos dois bate à porta, o outro diz: ‘Enter!” O ator fica imóvel. “Enter! Enter!” E nada. O outro vai lá e pergunta por que ele não entrou. “Estou esperando você dizer coming!, como sempre se fez.” Ora, enter e coming são expressões equivalentes em inglês, mas com aplicações diferentes. Por aqui, “entrar” já dá conta do recado. Para dar idéia do contraste que o original pedia, foi preciso dizer em bom português “penetra!”.
Na sua opinião, quais as vantagens o português possui em comparação a outras línguas que você conhece?
A principal vantagem é a de ser a minha língua. Ninguém fala duas línguas. Essa idéia de um espião que fala múltiplas línguas não passa de mentira. Vai lá no meio do jogo dizer “salamê mingüê, um sorvete colorê...” ou “velho guerreiro”. Os modismos da língua, as coisas ocasionais, não são acessíveis a quem não é nativo. Toda pessoa tem habilidade só no seu idioma. Você pode aprender uma, dez, sei lá quantas expressões de outra língua, mas ainda existirão outras mil — como é que se vai fazer? A língua portuguesa tem suas particularidades. Como outras também. Aprendi desde cedo a ter o cuidado de não rimar ao escrever uma frase. Sobretudo em “-ão”.
Quais as normas mais loucas ou mais despropositadas da língua portuguesa?
Toda pesquisa de linguagem é perigosa pois tem o caráter de induzir o sentido. Não tenho carinho especial por gramáticos. Na minha vida sempre fui violento [no ataque às regras do idioma] , porque a língua é a falada, a outra é apenas uma forma de você registrar a fala. Se todo mundo erra na crase é a regra da crase que está errada, como aliás está. Se você vai a Portugal, pode até encontrar uma reverberação que indica a crase. Não aqui. Aqui no Brasil a crase não existe.
Mas a fala brasileira é mutante e díspare, cada região tem sua peculiaridade. Como romper regras da língua sem cair no vale-tudo?
Se não houver norma não há como transgredir. A língua tem variantes, mas temos de ensinar a escrever o padrão. Quem transgride tem nome ou peito que o faça e arque com as conseqüências. Mas insisto que a escrita é apenas o registro da língua falada. De Machado de Assis pra cá, tudo mudou. A língua alemã fez reforma ortográfica há 50 anos, correta. Aqui, na minha geração, já foram três reformas do gênero, uma mais maluca que a outra. Botaram acento em “boemia”, escreveram “xeque” quando toda língua busca lembrar o árabe shaik, insistiram que o certo é “veado” quando o Brasil inteiro pronuncia “viado”. Chamar viado de “veado” é coisa de viado. Quando chegaram a tais conclusões? Essas coisas são idiotas e cabe a você aceitar ou não. Veja o caso da crase. A crase, na prática, não existe no português do Brasil.
Já vi tábuas de mármore com crase errada. Se todo mundo erra, a crase é quem está errada. Se vamos atribuir crase ao masculino “dar àquele”, por que não fazer o mesmo com “dar àlguém”? Não podemos.
Você já escreveu certa vez um texto em “lusitol” e o traduziu para o “brasilol”, mostrando o abismo de linguagem que existe entre Portugal e o Brasil. O nosso país caminha para a constituição de uma língua própria?
É muito difícil fazer esse tipo de previsão. As influências hoje em dia são tão interativas, tão permutantes, que não sei se o Brasil vai formar uma língua tão diferente de Portugal, porque o inglês também está batendo à porta deles. O mundo inteiro hoje busca aproximação por meio do inglês. É um idioma que teve muita sorte — quando o império britânico começou a decair, surgiu o americano. O inglês tem inúmeras línguas, mas continua inglês. Assim também, há uma língua portuguesa com variantes, dialetos e idioletos.
Mas as diferenças não pesam?
Nem sempre é fácil entender um português e há filmes portugueses que só conseguimos ver com legendas.
O que acontece é que temos dificuldade de entender o português de Portugal mais pela eufonia e pela prosódia que pelos vocábulos em si mesmos. Não sei se os portugueses passam pelo mesmo problema, mas o fato é que, até os anos 30, todo ator brasileiro imitava sotaque português para ser respeitado e, hoje, nossa influência em Portugal é total. A telenovela entra lá, e não adianta o intelectual português ficar contra, porque o povo acha engraçado o jeito de a gente falar, e termina copiando. Já usam expressões como “estou a dar a volta por cima, o pá!”, lá do jeito deles, com sotaque, mas usam.
O estrangeirismo empobrece a língua portuguesa?
De maneira nenhuma. Antigamente, tivemos palavras como porta-seios, uma coisa muito feia, que felizmente foi substituída pelo galicismo “sutiã”. Toda língua é invadida e, como mulher, fecundada. De vez em quando a nossa leva na bunda, mas nada que, lavada, não fique novinha.
Houve tempo em que o galicismo era uma aberração. Não se podia escrever “amante”, mas “amásia”. Era assustador. Uma vez, era menino, escrevi um conto em que um cara sai pela rua gritando: “Assassinato! Assassinato!” Quiseram que eu colocasse, por respeito à língua, “assassínio”, pra evitar o “galicismo”... Quem sai à rua gritando “Assassínio!” é bicha.
Os excessos, como sale, delivery ou 50% off não incomodam a você?
O estrangeirismo não me incomoda. É evidente que essa coisa pouco natural de importar outra língua é muito Barra da Tijuca [bairro da elite carioca], é esse negócio de Estátua de Liberdade de gesso colocada na frente da porta. Pode haver a penetração que quiser, mas é preciso fazer as coisas que nos são naturais. O cara que use delivery com as nega dele. Eu, por exemplo, escrevo aquilo que chega até mim, naturalmente. Devo ter sido a primeira pessoa a escrever whisky na forma “uísque”. E ficou. Uso “saite” no lugar de site, que já está consagrada. Os portugueses usam “sítio” e é legítimo. A língua é assim, arbitrária. Se dependesse só do meu arbítrio, aí eu faria uma moção pros órgãos oficiais. Não há porquê do Banco do Brasil usar home delivery quando poderia simplesmente fazer “entrega em domicílio”. Os órgãos oficiais brasileiros não podem fazer esse tipo de coisa.
Qual o caminho para escrever bem?
Escrever bem é expressar-se. Usar sujeito, verbo, predicado e, a partir daí, fazer todas as variações. Não deixo margem a dúvida quando digo “um homem de terno branco atravessava a rua num dia de domingo”. Mas jamais escreveria a frase pomposa do Machado de Assis que está lá na Academia [Brasileira de Letras]. Nem improvisada foi, pois estava num poema dele. “A glória que fica eleva, honra e consola.” As palavras não têm a menor hierarquia. Quando se diz “a glória que fica” já acabou a frase, já se sabe que é com a ABL, ela está se referindo às glórias literárias. “Eleva” e “honra” são dispensáveis e nem dá para saber o que uma glória consola: da tremedeira das mãos, de doença? Veja, no entanto, um escritor como Camões. Ao se dirigir ao rei Dom Sebastião, o poeta afirma que “a disciplina militar prestante / não se aprende, senhor, na fantasia, / sonhando, imaginando ou estudando, / senão vendo, tratando e pelejando”. Repare que ele não diz “tratando, pelejando e vendo” — pois seria o caso de um sujeito que sai na porrada sem pensar. Quem não sabe escrever não cria esse tipo de hierarquia, pouco importa. Quando uma hierarquia não é tão precisa entre as palavras, o sujeito quebra a cara. Nenhuma palavra é gratuita. Um texto, por exemplo, não pode “condenar” algo quando na verdade seu autor pretendia dizer “evitar”.
É possível escrever bem sem ler muito?
Não.
Mas é possível desenvolver um instinto natural para escrever bem?
O instinto pode levar a escrever, mas uma pessoa simplória tende a ter um discurso simplório. Quando escrever, fará um texto simplório. Quanto mais formas de escrita você conhecer, mais habilidade terá em sua própria escrita. Sei que há quem nos desminta. Outro dia, peguei dois volumes de Rubem Braga. Um feito quando ele tinha 25 anos e outro aos 40, já embaixador no Chile. Ambos são de uma precisão, mesmo em 20 linhas. Eu, que não gosto de enfeiar com sinais gráficos o que escrevo, por vezes vejo que as coisas que faço vão ficando complexas e sou obrigado a usar travessão e intercalações para deixar tudo mais claro. Rubem Braga não faz nada disso. É de uma densidade de quem não quer nada.
Quem se expressa bem, falando, no Brasil?
Ninguém que supere o Carlos Lacerda [jornalista e político da antiga UDN, 1914-1977]. Hoje, falam que um Pedro Simon é um grande orador e eu me escandalizo. A retórica dele é feita de gritos, de berros. Lacerda, não, trazia tudo alinhavado, com uma capacidade de argumentação impressionante. Nem locutores de TV, que lêem tudo mastigado no teleprompter [monitor de caracteres], sabem falar. Você pega o [apresentador do Jornal Nacional] William Bonner, fala “errado” o tempo todo, porque enfatiza as palavras indevidamente ou enfatiza demais a frase. De todos, o [jornalista] Franklin Martins é o melhor, diz tudo de maneira correta. Veja o Carlos Nascimento. A televisão deixa o cara dar palpites, que são no mínimo conservadores, quando não reacionários — e ele nem percebe.
Dos nossos ex-presidentes e do atual — Sarney, FHC e Lula
— quem se expressa melhor em português?
Que parada! Fernando Henrique diz besteiras o tempo todo. Como um cara inteligente diz que o povo deveria fazer check-up e que tem o pé na cozinha? Teria o pé na África e olhe lá. Ao dizer “pé na cozinha”, é pejorativo. Fernando Henrique é empolado demais da conta. Já o Lula diz bobagens do tipo ‘‘as mulheres são desaforadas’’. Diz também sem saber o que está dizendo. Pensa que está elogiando, sendo engraçadinho, mas não tem noção das palavras. Ocorre que ele tem pronúncia até melhor que o FHC, mesmo engolindo palavras. Já Sarney é o Lula em barroco. Escreve um romance débil mental e passa a ser considerado uma revolução nas letras nacionais.
É atribuído a você um texto que circula na interneI, uma apologia ao palavrão. Terem acreditado que se tratava de um texto de sua autoria o ofendeu em que medida?
É a pior coisa pegarem um texto que não é seu, que você escreveria melhor, e atribuir a você. Já escrevi muito sobre palavrão, e não para fazer gracinha. Em 1978, quando fiz a tradução de A Volta ao Lar, do Harold Pinter, O Globo veio em cima, dizendo que eu inseri palavrões para torná-la picante, comercial ou subversiva. Escrevi um artigo enorme contestando. Tudo que penso sobre o assunto está lá. Não preciso fazer gracinha com a questão. Mas internet é terra de ninguém. Não fiquei ofendido, nem fui lá reclamar. lsso me mata de tédio.