quarta-feira, agosto 10, 2005

 

Reflexões sobre a TELESUR e o direiro à informação

Pietro Lora Alarcón
Correio da Cidadania, edição 460, de 6 a 13 de agosto de 2005

É cediço e indiscutível que, dentre os direitos fundamentais do ser humano, o direito à informação, que compreende a faculdade de procurar informações, assim como o de informar, de estar informado e de ser, obviamente, adequadamente informado, possui importância superlativa.
Contudo, também é uma verdade indiscutível que os meios de comunicação constituem um dos fatores reais de poder de maior incidência no cenário do conjunto de opiniões políticas que se geram na seara social. Tal conjunto é um elemento natural das contradições existentes entre os setores que lutam pelo poder do Estado.
Historicamente, e especialmente após a Revolução Francesa, construíram-se meios para atingir as mentes dos cidadãos com o propósito de reproduzir os interesses de classe da burguesia triunfante. Na época, consolidaram-se mecanismos permanentes de condução da opinião pública, o que desde então vem alicerçando campanhas para obter o poder e a construção de um modelo ideológico de controle social baseado na presteza para liquidar qualquer manifestação de real oposição ao regime político imposto.
Contemporaneamente, na América Latina e em geral em todo o planeta, como denuncia, dentre outros, Carlos Lozano Guillén em “Médios, sociedad y conflicto”, os meios de comunicação e de informação não escaparam dos processos de concentração de riqueza e monopolização crescente da economia.
Por sua vez, há séculos que as tentativas de criar meios de comunicação mais idôneos, com incidência na opinião pública e com possibilidades de apresentar uma versão diferente daquela impulsionada pelos grandes conglomerados econômicos, em muitas oportunidades com veracidade e suporte em uma realidade cada vez mais difícil para setores excluídos das decisões do Estado, esbarram em problemas de custos, dificuldades para a obtenção de informações, e até gravíssimos casos de repressão e censura.
Mas, voltando à atualidade e tratando, por exemplo, da televisão, não é possível negar o peso e o impacto imediato da sua incidência nos processos políticos. Com efeito, as expressões vídeo-política e homo-videns, cunhadas por Giovanni Sartori na obra Homo videns. Televisão e pós-pensamento, assinalam um dos aspectos mais interessantes do poder da televisão: o de gerar uma radical transformação da maneira de “ser político” e de “fazer política”. A questão, naturalmente, está atrelada à necessidade de que a televisão contribua à manutenção das liberdades públicas e, para isso, há que entender que o regime político democrático é um regime de opinião, baseado em um sentimento coletivo a respeito da realidade pública, o que interessa a todos em termos de notícia, porque incide no controle da coisa pública, nos valores, idéias e ideais dos seres humanos que conformam uma comunidade com aspirações de paz e progresso.
Acontece que, fruto de uma monopolização dos meios televisivos, na realidade hoje parece não existir um equilíbrio entre a necessidade de informação e a liberdade de possuir o veículo de comunicação, pois a informação depende do interesse do grupo econômico proprietário do meio, que passa a ser, por infeliz tabela, o dono da notícia. Assim, uma verdade pode virar mentira, ou se falam meias verdades. O tom de voz, as formas de apresentação, os recursos tecnológicos interferem cada vez mais na verdade e há que dizer, como James Petras, que a denominada “era da informação” não se desenvolve em um vazio politicamente neutro. Desconhecem-se, dessa maneira, os princípios básicos de respeito pela dignidade humana, da participação social e da reconstrução da verdade.
É claro que não é desejável a censura às informações. Pelo contrário, há que advogar pelo direito à informação plena. O que não significa que não existam limites, pois a idéia é informar sobre notícias, ou seja, aquilo que realmente seja útil para a comunidade e, além disso, a informação deve ser, obviamente, verdadeira. O que não é possível é reproduzir informações que se contrapõem à realidade fática, ou que fazem apologias à violência e à criminalização do ímpeto transformador das sociedades, semeando o medo, a intranqüilidade e conduzindo a população, através da desinformação ou informação não verdadeira, a um ostracismo político ou a uma visão irreal dos fenômenos.
É evidente que as pretensões de classe estão por trás da notícia, do estilo, da linguagem e da oportunidade em que e como a notícia se veicula. Mas o que não é possível tolerar é que a falsidade seja o norte, e que tal estilo e linguagem acompanhem uma distorção. Pelo contrário, a comunicação deve ter como finalidade que o ser humano consiga assumir uma identidade singular e em perspectiva histórica como sujeito - e não objeto - de um processo dialético, no interior de sociedades em permanente conflito em tempos de globalização.
Nesse panorama difícil, mas também de marcado otimismo, o governo da Venezuela iniciou as negociações para originar um projeto multiestatal de televisão, denominado TELESUR, que, distante dos grandes conglomerados e monopólios dos meios de comunicação massiva, se inspira na necessidade de permitir que os valores dos povos da América Latina sejam transmitidos, no resgate dos processos histórico-sociais da região, na pluralidade de enfoques. Tal fórmula televisiva foge daquelas tradicionalmente inspiradas nos modelos dos Estados Unidos, sob o signo da unilateralidade informativa e de seriados recheados de piadas sem sabor e risos forçados no fundo.
Em momentos em que na Colômbia, por exemplo, a circulação de meios como VOZ, o semanário da oposição em um Estado onde há apenas um diário de cobertura nacional, por sinal dirigido pela família do vice-presidente da República, e o controle dos meios de televisão é altamente concentrado nas esferas mais elevadas do poder, a chegada da TELESUR não é apenas desejável, senão fundamental para democracia.
Neste quarto de hora em que no Brasil se atravessam claros momentos de definições políticas, TELESUR é essencial para robustecer a opinião pública, de maneira que a veracidade possa impulsionar reformas profundas no sistema político e reformas econômicas de longo alcance, as que com urgência requer a sociedade brasileira.
Quando a integração da América Latina é uma verdade reconhecida como formulação principiológica pelos diplomas constitucionais, para forjar uma comunidade ancorada no desenvolvimento com soberania, TELESUR é uma imperiosa ferramenta em prol desse objetivo.
Se a era da informação não é neutra, então, a contextualização da informação, a história da notícia, o diagnóstico agudo e consciente sobre a necessidade de unificar posições entre nossos povos no âmbito da política externa fazem parte da tática para uma integração com soberania.
Contudo, nos Estados Unidos, a Câmara dos Deputados aprovou e atualmente se estuda no Senado, por iniciativa de Connie Mack, uma emenda que determina a transmissão de um canal de rádio e televisão dirigido à América Latina para se contrapor à TELESUR. Evidente que os membros do Congresso conhecem o poderio de um meio de comunicação que, como a televisão, atingindo multidões, contribuiria à unidade que tanto parece incomodar.
TELESUR somente vem para somar, e, nessa medida, bem-vinda, para a construção da paz e o respeito pelas liberdades públicas no Continente. Por isso, contra TELESUR somente podem estar os que condenam o mundo à guerra e a um destino diferente daquele de respeito pelo direito a procurar informações, de informar e de estar adequadamente informado.
Pietro Lora Alarcón, colombiano, é doutor em Direito do Estado pela PUC/SP.

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