sábado, agosto 20, 2005
COLUNISMO POLÍTICO: A opinião privada tornada pública
Venício A. de Lima (*)
Observatório da Imprensa, 16 de agosto de 2005
Em recente palestra na Bahia, Bob Fernandes, ex-redator-chefe da revista CartaCapital, observou que "cerca de 12 jornalistas conduzem a opinião pública a respeito da política nacional". É verdade que alguns jornalistas acreditam nisso e confundem o inquestionável poder da mídia com o seu poder individual. Por isso, às vezes, se irritam quando constatam que suas opiniões privadas podem não coincidir com a opinião da maioria da população brasileira.
Na grave crise política que estamos atravessando, apesar da incrível enxurrada de denúncias públicas contra o partido e o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, decorridos mais de três meses, sua "imagem" positiva junto a percentual expressivo da opinião pública continua resistindo ou tem caído numa velocidade muito aquém daquela antecipada pela maioria dos principais jornalistas multimídia.
Esses jornalistas sempre evocaram o pressuposto da famosa teoria do "espelho", segundo a qual, por ser imparcial e objetiva, a grande mídia "refletiria" a pluralidade e a diversidade de opiniões que existe na sociedade. Eles tentam construir de si mesmos a imagem profissional de simples mediadores entre os acontecimentos e seus leitores/ouvintes/espectadores.
A teoria do "espelho", na verdade, sobrevive na contramão das evidências da pesquisa em comunicação dos últimos 30 anos – sobretudo porque tem servido de importante fonte de legitimidade à qual recorrem empresários de comunicação e jornalistas vitoriosos.
"Contaminações horizontais"
No que se refere à opinião pública, no entanto, há uma antiga controvérsia não resolvida nas Ciências Sociais não só sobre o próprio conceito quanto à sua "formação". A teoria mais conhecida é aquela que tenta explicar o processo de formação da opinião pública por meio do chamado modelo "cascata".
A opinião pública se formaria a partir de pequenos grupos, situados no topo da pirâmide social e depois viria "descendo", por degraus, até a base da pirâmide. No primeiro degrau dessa "cascata" estaria o pequeno grupo das elites econômicas e sociais; no segundo, estaria o das elites políticas e, no terceiro, a mídia, seguida pelos chamados formadores de opinião – intelectuais, religiosos, artistas, educadores, líderes empresariais e sindicais, jornalistas –; e, finalmente, no último degrau, a grande maioria que constitui a base da população.
Se a teoria da "cascata" estiver correta, a mídia teria, sim, um duplo e importante papel na formação da opinião pública: tanto como conjunto das instituições que tornam as coisas públicas – e ao qual, portanto, todos os grupos dos diferentes degraus da "cascata" estão expostos – quanto como espaço de atuação dos jornalistas formadores de opinião.
É interessante observar que, segundo o modelo "cascata", à medida que a opinião "desce" ela passaria por "contaminações horizontais" em cada um dos degraus, até alcançar a base da pirâmide. Dessa forma, a opinião dos jornalistas formadores de opinião não poderia, em tese, ser idêntica à opinião percentualmente majoritária.
Assuntos públicos
Esse modelo, obviamente, contraria a "teoria do espelho" porque a formação da opinião pública seria um processo muito mais complexo, submetido à influência de inúmeros atores, dentre eles os jornalistas.
Não é por acaso, portanto, que um dos processos paralelos à crise política é a sutil tentativa de alguns jornalistas de desqualificar a base da população e tentar redefinir o próprio conceito de opinião pública – e, por conseqüência, o seu próprio papel.
Essa tentativa tem aparecido, por exemplo, quando o presidente Lula é acusado de "chavismo" ou de "populismo", isto é, de tentar governar comunicando-se diretamente com sua base social ignorando a mediação de instâncias tradicionais como os partidos e a grande mídia.
Para esses jornalistas, a opinião da mídia teria que ser uma instância levada em conta não mais apenas por ser a mediadora ou refletora (como na teoria do "espelho"), mas a própria opinião pública.
Se essa definição prevalecesse, a condução da opinião pública por 12 jornalistas, referida por Bob Fernandes, ganharia legitimidade, pois a sua opinião privada seria a própria opinião pública.
Há, portanto, uma perigosa confusão entre as esferas privada e pública. A liberdade de imprensa garante que empresas privadas de mídia expressem seus pontos de vista sobre os assuntos públicos, mas eles serão sempre apenas o que são: opinião privada tornada pública e não opinião pública.
Da mesma forma, os jornalistas em suas colunas impressas e/ou eletrônicas expressam sua opinião pessoal privada de analistas políticos. Mesmo que a médio ou longo prazo a opinião privada da grande mídia possa tornar-se também a opinião pública, muitas vezes, como agora, opiniões privadas de jornalistas não necessariamente constituem a opinião da maioria da população.
(*) Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: Teoria e Política (Editora Fundação Perseu Abramo, 2ª ed., 2004)
Observatório da Imprensa, 16 de agosto de 2005
Em recente palestra na Bahia, Bob Fernandes, ex-redator-chefe da revista CartaCapital, observou que "cerca de 12 jornalistas conduzem a opinião pública a respeito da política nacional". É verdade que alguns jornalistas acreditam nisso e confundem o inquestionável poder da mídia com o seu poder individual. Por isso, às vezes, se irritam quando constatam que suas opiniões privadas podem não coincidir com a opinião da maioria da população brasileira.
Na grave crise política que estamos atravessando, apesar da incrível enxurrada de denúncias públicas contra o partido e o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, decorridos mais de três meses, sua "imagem" positiva junto a percentual expressivo da opinião pública continua resistindo ou tem caído numa velocidade muito aquém daquela antecipada pela maioria dos principais jornalistas multimídia.
Esses jornalistas sempre evocaram o pressuposto da famosa teoria do "espelho", segundo a qual, por ser imparcial e objetiva, a grande mídia "refletiria" a pluralidade e a diversidade de opiniões que existe na sociedade. Eles tentam construir de si mesmos a imagem profissional de simples mediadores entre os acontecimentos e seus leitores/ouvintes/espectadores.
A teoria do "espelho", na verdade, sobrevive na contramão das evidências da pesquisa em comunicação dos últimos 30 anos – sobretudo porque tem servido de importante fonte de legitimidade à qual recorrem empresários de comunicação e jornalistas vitoriosos.
"Contaminações horizontais"
No que se refere à opinião pública, no entanto, há uma antiga controvérsia não resolvida nas Ciências Sociais não só sobre o próprio conceito quanto à sua "formação". A teoria mais conhecida é aquela que tenta explicar o processo de formação da opinião pública por meio do chamado modelo "cascata".
A opinião pública se formaria a partir de pequenos grupos, situados no topo da pirâmide social e depois viria "descendo", por degraus, até a base da pirâmide. No primeiro degrau dessa "cascata" estaria o pequeno grupo das elites econômicas e sociais; no segundo, estaria o das elites políticas e, no terceiro, a mídia, seguida pelos chamados formadores de opinião – intelectuais, religiosos, artistas, educadores, líderes empresariais e sindicais, jornalistas –; e, finalmente, no último degrau, a grande maioria que constitui a base da população.
Se a teoria da "cascata" estiver correta, a mídia teria, sim, um duplo e importante papel na formação da opinião pública: tanto como conjunto das instituições que tornam as coisas públicas – e ao qual, portanto, todos os grupos dos diferentes degraus da "cascata" estão expostos – quanto como espaço de atuação dos jornalistas formadores de opinião.
É interessante observar que, segundo o modelo "cascata", à medida que a opinião "desce" ela passaria por "contaminações horizontais" em cada um dos degraus, até alcançar a base da pirâmide. Dessa forma, a opinião dos jornalistas formadores de opinião não poderia, em tese, ser idêntica à opinião percentualmente majoritária.
Assuntos públicos
Esse modelo, obviamente, contraria a "teoria do espelho" porque a formação da opinião pública seria um processo muito mais complexo, submetido à influência de inúmeros atores, dentre eles os jornalistas.
Não é por acaso, portanto, que um dos processos paralelos à crise política é a sutil tentativa de alguns jornalistas de desqualificar a base da população e tentar redefinir o próprio conceito de opinião pública – e, por conseqüência, o seu próprio papel.
Essa tentativa tem aparecido, por exemplo, quando o presidente Lula é acusado de "chavismo" ou de "populismo", isto é, de tentar governar comunicando-se diretamente com sua base social ignorando a mediação de instâncias tradicionais como os partidos e a grande mídia.
Para esses jornalistas, a opinião da mídia teria que ser uma instância levada em conta não mais apenas por ser a mediadora ou refletora (como na teoria do "espelho"), mas a própria opinião pública.
Se essa definição prevalecesse, a condução da opinião pública por 12 jornalistas, referida por Bob Fernandes, ganharia legitimidade, pois a sua opinião privada seria a própria opinião pública.
Há, portanto, uma perigosa confusão entre as esferas privada e pública. A liberdade de imprensa garante que empresas privadas de mídia expressem seus pontos de vista sobre os assuntos públicos, mas eles serão sempre apenas o que são: opinião privada tornada pública e não opinião pública.
Da mesma forma, os jornalistas em suas colunas impressas e/ou eletrônicas expressam sua opinião pessoal privada de analistas políticos. Mesmo que a médio ou longo prazo a opinião privada da grande mídia possa tornar-se também a opinião pública, muitas vezes, como agora, opiniões privadas de jornalistas não necessariamente constituem a opinião da maioria da população.
(*) Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: Teoria e Política (Editora Fundação Perseu Abramo, 2ª ed., 2004)